33Giga Tecnologia para pessoas

Apps & Software

"IA não substitui professor", diz pesquisador de Stanford

O debate homem x máquina tem ganhado mais atenção desde que a Inteligência Artificial Generativa chegou ao grande público com o ChatGPT e, com ela, o medo da substituição de humanos por robôs inteligentes nas mais diversas áreas. Na educação não é diferente e um questionamento frequente é se professores podem ser trocados por tutores de IA.

Quer ficar por dentro do mundo da tecnologia e ainda baixar gratuitamente nosso e-book Manual de Segurança na Internet? Clique aqui e assine a newsletter do 33Giga

Para o cientista da educação e pesquisador de Stanford Victor R. Lee, essa possibilidade é remota, uma vez que a aprendizagem está relacionada ao afeto. Mas a tecnologia deve ser vista como uma ferramenta que vai permitir ao professor dedicar seu tempo ao ensino.

Quer saber tudo sobre Universo Sugar? Clique aqui e leia o e-book O Guia dos Sugar Daddy & Sugar Babies

“O que temos são profissionais fazendo trabalhos repetitivos apenas porque estão lá e alguém precisa fazê-lo; passando essas tarefas para a IA, liberamos esse tempo para o professor, de fato, se dedicar aos alunos, suas nuances, as dicas não verbais e ao ensino baseado na comunicação humana”, disse.

Lee conversou com cerca de 50 educadores brasileiros no evento Letrartech: IA e Letramento, promovido em São Paulo em agosto pela Letrus, programa de letramento com uso de inteligência artificial.

Entre os exemplos dados por Lee, está a ajuda na elaboração de planos de aulas com gatilhos de engajamento, mas sempre com a consciência de que o professor está usando a IA e não o contrário.

“Ao professor cabe sempre saber mais que a IA e ter o olhar crítico para verificar se o que ela devolve faz sentido”, salienta.

Isso porque o modelo generativo atual tem como característica juntar uma série de informações, porém não interiorizar conceitos, como não entender por ela mesma o que “beleza” significa, apenas conseguir juntar em uma imagem o que várias pessoas consideram “bonito” sem uma análise crítica sobre isso.

As habilidades de propor perguntas, fazer uma curadoria dos resultados e verificar a veracidade são conhecimentos que devem ser desenvolvidos tanto por profissionais como por estudantes. Isso porque, para o professor, a IA generativa não é uma moda, mas algo que fará parte do tecido da aprendizagem, assim como a internet e os dispositivos móveis já fazem.

O potencial da IA para a redução das desigualdades na educação

O fato da Inteligência Artificial ter vindo para ficar foi um consenso no painel que reuniu Ariana Britto, gerente de políticas públicas do J-PAL, Denis Mizne, CEO da Fundação Lemann, e Julia Sant’Anna, presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira – CIEB.

A dúvida, nesse caso, recai sobre a capilaridade da tecnologia, se ela é capaz de atingir todos os segmentos da sociedade. Ariana Britto, que pesquisa evidências de políticas públicas em educação, aponta que um dos gargalos é a falta de diversidade no próprio desenvolvimento de tecnologias.

Quem está lá não faz parte da porção desigual da população, então acaba escrevendo a partir de sua realidade; no Brasil, as disparidades são territoriais, sociais e também atravessadas por recortes de raça e de gênero”, pontua.

Denis Mizne concorda com Britto e acrescenta que a desigualdade pode ser mitigada com a distribuição de investimentos em educação e que a prioridade deve sempre garantir que ele chegue a quem mais precisa.

Diz, ainda, que, em se tratando de tecnologias, elas devem estar dentro da escola associadas ao Projeto Político Pedagógico, sendo adotada de maneira sistemática e fazendo sentido dentro dos valores da sociedade.

“O uso deve dar aos estudantes o que prometemos a eles, que vão sair preparados para perseguir e desenvolver seus potenciais”, afirma. Julia Sant’Anna, que foi secretária de educação de Minas Gerais no período da pandemia, contou os aprendizados do período, que só foi possível ser atravessado com o uso das tecnologias.

“Quem propõe soluções parte do pressuposto de que a estrutura já existe e de que quem vai usá-las já tem conhecimento sobre elas. Nessa realidade, cada setor sabe muito sobre apenas uma parte da situação e o que é preciso é juntar esses saberes”, diz. Para ela, o papel de fazer essas pontes é do governo, através de dados e informações que podem levar à adoção de políticas públicas para a redução das desigualdades.

O poder da autoria na ressignificação da escola na era da IA

Outro ponto sensível nas discussões sobre Inteligência Artificial na educação é o plágio de textos por parte dos estudantes, o que não preocupa as painelistas Gina Ponte, professora de educação básica e autora do projeto Mulheres Inspiradoras, Janine Rodrigues, escritora e fundadora do Piraporiando, e Ivy Sandim, gerente de Educação Básica do Sesi São Paulo.

As três educadoras direcionam o olhar mais para o desenvolvimento da autoria do que para a construção de respostas prontas. Nesse sentido, Janine Rodrigues é categórica ao dizer que a tecnologia é apenas um meio para expressar a criação, um processo que vem de dentro para fora a partir do autoconhecimento e da auto estima.

“O ponto central da educação é potencializar essa vontade de ser autor da própria história”, diz.

Além disso, o acesso às inovações é uma ferramenta importante para o pertencimento dentro da própria sociedade. Gina Ponte aponta para o perigo de uma proibição acabar formando uma geração de excluídos digitais e pondera que a adoção de ferramentas já conhecidas deve ser norteada por uma intencionalidade pedagógica dentro de um compromisso com uma educação integral e ancorada nos pressupostos teóricos.

“Não é toda tecnologia que vai dar conta dessa concepção, precisamos sempre garantir que ela não tire a autoria do professor, a autonomia do estudante e que não ignore os territórios onde eles estão inseridos”, afirma.

Ivy Sandim concorda e acrescenta que há processos cerebrais que só acontecem fora da tela, com atividades manuais como a pintura e relacionais entre as crianças. Para ela, situações que ocorrem fora da tela, como a relação entre professor e aluno e a exposição aos colegas e sua diversidade, são necessárias para desenvolver a empatia e o entendimento de quem se é dentro da teia social.

“É preciso equilíbrio dentro dos objetivos de aprendizagem da escola”, finaliza.