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eSports: a posição da nova ministra e a falta de regulamentação no Brasil

  • Créditos/Foto:DepositPhotos
  • 12/Janeiro/2023
  • Da Redação, com assessoria

*Por Bruno Gallucci // Nos últimos dias, os eSports ganharam as manchetes dos principais veículos de comunicação nacionais por conta de uma declaração da nova Ministra dos Esportes, Ana Moser. Segundo a ex-atleta de vôlei, a categoria não receberá incentivo financeiro do Ministério e destacou que a Lei Geral do Esporte, que está em tramitação no Senado, aponta que esporte é “toda forma de atividade predominantemente física que, de modo informal ou organizado, tenha por objetivo atividades recreativas, a promoção da saúde, o alto rendimento esportivo ou o entretenimento”.

Também reforçou que o esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não esporte. “Você se diverte jogando videogame. ‘Ah, mas o pessoal treina’. Treina, assim como o artista, assim como a Ivete Sangalo. Mas ela não é atleta da música. Ela é simplesmente uma artista que trabalha com entretenimento. O jogo eletrônico não é imprevisível. Ele é desenhado por uma programação digital. Ela é fechada, não é aberta, como o esporte.”

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As colocações da nova Ministra do Esporte levantam bola sobre a polêmica do enquadramento dos eSports e seus atletas. E as falas de Ana Moser incomodaram ainda mais os jogadores por todo Brasil, pois ela comparou a preparação de um gamer a de um cantor, como Ivete Sangalo, para um show. Isto é, por não ter uma regulamentação específica no Brasil, fica a dúvida: eSports pode ser considerado uma modalidade esportiva ou apenas entretenimento?

Importante ressaltar que eSports é formatado em campeonatos que acontecem dentro de um game, mas que são disputados por jogadores profissionais, em categorias individuais ou coletivas. Assim, são competições compostas por atletas que são contratados por clubes como Corinthians, Flamengo, entre outros, e realizam treinos específicos para disputarem eventos, que atraem milhões de pessoas em todo o mundo por meio da internet e cercado de empresas que oferecem contratos milionários, com cifras que já se aproximam dos valores pagos atualmente no futebol profissional. Ou seja, as competições seguem os mesmos caminhos do esporte profissional no mundo.

Na minha visão, o entretenimento fica por parte daqueles que estão assistindo aos jogos, pois os atletas, atualmente, têm toda uma preparação especial e treinamentos específicos para as competições. Os eSports possuem ligas profissionais que conta com um número de audiência elevado, com transmissões ao vivo em canais esportivos, e que são extremamente disputadas, em que apenas os atletas mais bem preparados conseguem se sobressair.

Além disso, vêm ganhando um público mais jovem dentro dessa nova geração, que já nasce ligada à tecnologia. Por isso, a Ministra deveria incentivar a discussão pela regulamentação da modalidade e não simplesmente descartar seus atletas e competições do calendário esportivo nacional.

Cabe destacar que juridicamente, com relação aos atletas de eSports, também existe uma discussão. Hoje, os jogadores possuem contratos de trabalho e direitos assegurados pela legislação trabalhista. O mercado tem utilizado uma combinação de normas da Consolidações das Leis do Trabalho (CLT), do Código Civil e da Lei 9.615/1998, a Lei Pelé, legislações que definem regras para a prática de esportes no Brasil. Basicamente, a mesma legislação utilizada nas relações desportivas tradicionais.

Na prática, as equipes de eSports necessitam que os jogadores tenham disponibilidade para representar o time em campeonatos, jogos patrocinados, eventos e outros diversos tipos de competições. Nesse caso, é inegável que o jogador tenha de ser um profissional especializado, que treine de forma periódica, que receba uma remuneração definida e siga as regras e condutas do time – características que personalizam uma relação de emprego.

Todos esses requisitos que os times buscam em um jogador estão previstos na CLT e são definidos como pressupostos de vínculo empregatício, como pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.

Vale ressaltar que a contratação dos atletas sob o regime da CLT segue o mesmo padrão de qualquer contratação tradicional. Essa é a modalidade de contratação juridicamente mais segura, pois todos os impostos necessários serão recolhidos no ato do pagamento do salário e registrados perante os órgãos fiscalizadores.

De outro lado, existe a possibilidade de as equipes contratarem os jogadores como prestadores de serviços, como Pessoas Jurídicas (PJs) constituídas pelos atletas. Nesse caso, as regras serão definidas pelo Código Civil nos artigos 593 a 609, modalidade menos custosa, mas arriscada sob a ótica da legislação trabalhista, pois pode configurar fraude.

Nessa hipótese, a equipe irá contratar o atleta para que atue em favor do time na figura de uma empresa prestadora de serviços constituída pelo jogador. A equipe pagará um valor fixo e não há encargos trabalhistas a serem recolhidos pela equipe, basta pagar os valores determinados no contrato entre a empresa e a pessoa. Essa contratação é formalizada por meio de um contrato de prestação de serviços, que definirá regras para as atividades, e teoricamente não haverá qualquer vínculo empregatício entre as partes.

Porém, sabemos que os jogadores precisam de treinamento diário, além de seguir regras determinadas pelas equipes. Nesse caso, se durante a rotina a pessoa reunir os requisitos do vínculo empregatício, poderá posteriormente ingressar com uma ação judicial, requerer o reconhecimento do vínculo e o pagamento de todas as verbas trabalhistas desde o início de sua relação com a equipe.

Já a Lei 9.615, ou Lei Pelé, é usada com menos frequência para esses casos, uma vez que, em sua data da elaboração, os esportes eletrônicos não eram definidos ou reconhecidos como atividade esportiva. Porém, no artigo 3ª, inciso III, existe uma definição que pode ser aplicada aos atletas de eSports:

Artigo 3ª — O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:

Inciso III — desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta lei e regras práticas desportiva, nacionais ou internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do país e estas com as de outras nações.

Outro ponto importante é a questão do direito de imagem de atletas – tema que há muito tempo vem sendo discutido na Justiça do Trabalho, com o enraizamento de entendimentos que não condizem com a evolução legislativa sobre o tema e do desporto em si.

Devido aos altos valores que esses direitos podem alcançar, muitos times pagam os direitos de imagem diretamente para uma empresa pertencente ao jogador, que possui um contrato de trabalho ativo, para não pagar os impostos necessários. Essa prática, muito comum nos esportes de alto rendimento, também vem sendo explorada nos eSports.

Porém, pode ser caracterizada também como fraude à legislação trabalhista. A respeito desse tema, a Lei Pelé sofreu uma nova modificação, trazida pela Lei nº 13.155, de 4 de agosto de 2015, com a inclusão do parágrafo único ao artigo 87-A, com a seguinte redação:

Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.

Portanto, pela falta de uma legislação específica, todas essas categorias de contratação vêm sendo utilizadas para o vínculo de atletas de esportes eletrônicos. E, por isso, é essencial que a nova Ministra do Esporte se sensibilize com os profissionais que disputam essas competições em jogos eletrônicos para garantir, além dos incentivos necessários, uma segurança jurídica de todos os envolvidos nas competições.

*Bruno Gallucci é advogado especialista em Direito Desportivo e sócio do escritório Guimarães e Gallucci Advogados

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