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Animação japonesa: por que técnica pioneira não é mais utilizada?

  • Créditos/Foto:DepositPhotos
  • 26/Março/2024
  • Da Redação, com assessoria

*Por Viktor Danko // Uma das maiores dificuldades encontradas durante a pesquisa de animações estrangeiras que fogem do eixo estadunidense é a falta de materiais para referência bibliográfica. Como pesquisadores, é preciso ter em mãos materiais em que possamos nos basear a fim de desenvolver nossas pesquisas. Portanto, quando nos deparamos com diversas barreiras – linguísticas, por exemplo – que nos impedem de ter materiais de qualidade para pesquisa, surge um dilema: devo mudar de assunto por falta de fontes confiáveis sobre o que estou procurando ou desbravo o desconhecido a golpes de facão como numa mata densa?

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A segunda opção é, sem sombra de dúvidas, a mais difícil, mas também aquela que trará resultados mais interessantes e satisfatórios (do ponto de vista do desenvolvimento pessoal).

A animação japonesa é uma das mais interessantes de analisarmos, principalmente quando pensamos no desenvolvimento histórico e técnico dessas produções.

Temos como exemplo o que é considerado o primeiro filme de animação feito no Japão, Katsudô Shashin (1907). O que mais chama a atenção nessa obra é a técnica utilizada. No filme, vemos um menino usando roupa de marinheiro escrevendo uma frase e fazendo uma mesura para o público que lhe assiste:

Apesar de comum no Ocidente, principalmente entre animadores dos anos 1960 nos EUA – tendo no Brasil, como exemplo mais famoso, o filme “O Átomo Brincalhão” (1964), de Roberto Miller –, essa técnica de animação direta ou animação sem câmera, em que as imagens são criadas diretamente na película, pode ser considerada experimental para os padrões atuais.

Obviamente não podemos cometer anacronismos. Numa época de desenvolvimento de uma nova tecnologia, em que técnicas e conceitos ainda não haviam sido estabelecidos, praticamente tudo que se fazia era uma experimentação. Mas o que mais chama a atenção no decorrer da história da animação japonesa é que, dos filmes que sobreviveram ao tempo, não encontramos nenhuma outra obra que utilizasse essa mesma técnica.

A vantagem da animação desenhada diretamente na película do filme é que ela é relativamente barata, pois não requer conjuntos de câmeras complexos, nem milhares de células, nem softwares caros. Algumas ferramentas simples de desenho e gravação, um rolo de filme e um projetor podem ser suficientes para permitir que um animador explore sua originalidade e brinque com um meio totalmente único. Essa simplicidade do formato também obriga os animadores a serem mais criativos e inovadores na narrativa por meio de recursos visuais animados.

Por esses motivos, não é de se espantar que o primeiro filme animado (cujo autor é desconhecido) tenha utilizado essa técnica. Oten Shimokawa (1892-1973), um dos primeiros animadores japoneses de que se tem registro, também usou a animação direta em seus trabalhos, provavelmente pelas mesmas razões.

Os primeiros trabalhos de Shimokawa datam de 1917. Ele iniciou sua carreira como ilustrador de charges políticas e mangás. Aos 26 anos, foi contratado pelo estúdio Tennenshoku Katsudô Shashin (Companhia de Filmes de Cores Naturais) para criar um curta-metragem em animação.

A técnica mais comum de produção de animações, criada em 1915, era a pintura em celuloides transparentes, nos quais eram pintados em camadas diferentes os diversos elementos do filme. No entanto, esse tipo de material era escasso no Japão na época, razão pela qual Shimokawa foi pioneiro em utilizar duas técnicas de animação: a pintura de giz em quadro-negro e a pintura direta na película do filme.

Assim como muitas outras animações japonesas antes da década de 1920, nenhum vestígio desse filme – nem de qualquer outro curta-metragem de Shimokawa – sobreviveu aos incêndios causados pelo Grande Terremoto de Kanto em 1923, que destruiu boa parte dos materiais do primeiro estúdio de animação existente no Japão.

Fora Katsudô Shashin, não temos registro de outros filmes animados japoneses que utilizem essa técnica.

Mas qual o motivo disso?

É difícil dizer, pois essa questão pode ser analisada por diversos ângulos, desde questões orçamentárias – já que as primeiras animações japonesas eram realizadas com a técnica de recortes – até questões estéticas, quando o Japão começou a produzir animações em celuloides transparentes, proporcionando uma animação mais fluida e, por consequência, mais atraente aos olhos do público.

Algo que devemos ter em mente é que as técnicas utilizadas na animação também influenciam o tipo de narrativa a ser contada. Se olharmos para o período da Segunda Guerra Mundial, percebemos que a animação japonesa durante esses anos tinha como principal função serem propagandistas. Suas histórias contavam lendas nacionais que se uniam para enfrentar os inimigos ocidentais.

Se, no início do desenvolvimento do cinema, as técnicas não haviam ainda sido estabelecidas, agora o cinema de animação era uma indústria forte e já estabelecido no cenário do imaginário popular japonês devido ao incentivo governamental para a produção desse tipo de filme. Percebe-se que a qualidade técnica deveria acompanhar o desenvolvimento narrativo, pois uma técnica complexa como a animação direta na película do filme demorava demais para ser produzida e a qualidade de fluidez dos personagens também era prejudicada.

Após a Segunda Guerra, as animações com temáticas nipônicas foram proibidas em território japonês graças à ocupação estadunidense. Novamente, vemos que as narrativas dos filmes tiveram que se adaptar.

Assim a animação japonesa tomou dois rumos: animações fantásticas e extravagantes, com protagonistas animais e características cartunescas similares aos trabalhos de Walt Disney; e a adaptação de contos folclóricos de outros países.

Mais uma vez as narrativas moldam as técnicas que deveriam ser utilizadas. Agora, se as animações estavam seguindo padrões de produção ocidentalizados, as técnicas deveriam seguir um padrão similar, pelo menos no que diz respeito às animações que não tiveram destaque em festivais internacionais, como foi o caso das obras do diretor Noburo Ofuji.

Ele teve reconhecimento internacional em diversos trabalhos, primeiramente com “Flor e Borboleta” (1954), que utilizava técnicas de animação em celuloide, mais tarde recebendo elogios de Pablo Picasso e Jean Cocteau com “Baleia” (1952), um filme de silhuetas multicoloridas em celofane, que lhe garantiu o segundo lugar no festival de Cannes em 1952. Em 1956, ele recebeu o prêmio máximo no Festival de filmes de Veneza com “Navio Fantasma”, também com a técnica de silhuetas multicoloridas.

As décadas seguintes foram marcadas por desenvolvimentos industriais e tecnológicos. O estúdio Toei, com seu filme “O Conto da Serpente Branca” (1958), demonstrou capacidade de ultrapassar barreiras culturais e ter destaque no grande mercado internacional.

Osamu Tezuka, Hayao Miyazaki, Isao Tahakata, Katsuhiro Otomo, Satoshi Kon, Makoto Shinkai e tantos outros cineastas produziram obras reconhecidas mundialmente, mas nenhuma delas utiliza a técnica de animação direta na película.

Pode-se pensar que é impossível a confecção de um longa-metragem utilizando essa técnica devido ao tamanho do material envolvido, que é a película do filme. Esta pode variar consideravelmente, e os formatos mais utilizados são 35 mm, medida equivalente à largura do filme, cujas dimensões do fotograma são 22,05 × 16,03 mm; 16 mm, com dimensões do fotograma de 10,26 x 7,49 mm; e 70 mm, cujas dimensões de fotograma são 52,63 x 23,00 mm.

Com certeza a limitação do tamanho do material dificulta a produção de grandes produções, mas o fato de não encontrarmos nenhuma outra obra semelhante a Katsudô Shashin pertencente à mesma época é um dado importante para pesquisadores e não deve ser descartado.

Quem sabe, num futuro próximo, haja uma onda de animações experimentais no Japão e, dentro das técnicas usadas, a animação direta possa trazer outros filmes, com visuais e narrativas únicas? Seria interessantíssimo e maravilhoso de se estudar. Só o tempo dirá.

*Viktor Danko é mestre em comunicação e professor na universidade São Judas

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