33Giga Tecnologia para pessoas

Negócios

Opinião: A regulamentação da IA e a proteção dos direitos autorais

*Por Bia Ambrogi // Recentemente, li um texto que alertava para os possíveis impactos econômicos do projeto de lei 2338/2023, que trata da regulamentação da inteligência artificial no Brasil.

Não quer perder as últimas notícias de tecnologia? Siga o perfil do 33Giga no Instagram e no Bluesky

Segundo estimativa apurada por este estudo, caso a proposta seja aprovada da forma como está, o país poderá registrar uma perda econômica com a remuneração dos direitos autorais. Serão até até 21,9 bilhões em 10 anos, o que equivaleria 3% do Produto Interno Bruto.

Quer ficar por dentro do mundo da tecnologia e ainda baixar gratuitamente nosso e-book Manual de Segurança na Internet? Clique aqui e assine a newsletter do 33Giga

Esta reflexão traz uma perspectiva injusta e desfavorável à inovação, negligenciando a importância de proteger os direitos autorais, alicerce da economia criativa e grande contribuinte para o crescimento da economia no país como um todo.

Este tipo de argumento reproduz o viés com que as bigtechs tentam justificar o injustificável: o uso indiscriminado de obras protegidas por direitos autorais sem autorização prévia, no treinamento de Inteligências Artificiais generativas e sem qualquer remuneração aos criadores.

Para isso, se apropriam de um conceito que sequer existe no ordenamento jurídico brasileiro: o fair use (uso justo). O “fair use” é um conceito jurídico norte-americano que permite o uso limitado de obras protegidas por direitos autorais sem a permissão do autor, desde que em contextos específicos, como crítica, jornalismo, ensino, etc.

Mas há dois pontos importantes

  1. Esse conceito não faz parte da legislação brasileira;
  2. O uso que as bigtechs estão fazendo é comercial e massivo, movido por interesses bilionários, não se tratando de pesquisa, nem de fins educacionais.

Estamos, portanto, diante da utilização indevida de um princípio jurídico estrangeiro para justificar a exploração gratuita de criações que sustentam a cultura e o mercado criativo como insumo para o desenvolvimento de outro setor.

Se adotarmos um “fair use” para todos, proponho um Marco Regulatório para a Economia Criativa no Brasil.

Essa política garantiria acesso livre a tecnologia e ferramentas digitais para autores e criadores de conteúdo audiovisual, musical e artístico, evitando perda de bilhões que poderiam ser reinvestidos na produção, formação e fortalecimento da cultura brasileira. Atualmente, as altas licenças de software dificultam a criação, inovação e distribuição, beneficiando conglomerados estrangeiros às custas do setor local.

O novo marco deve promover

  • Isenção ou flexibilização de patentes e licenças culturais e audiovisuais;
  • Democratização do acesso à tecnologia como direito de inclusão produtiva;
  • Valorização da cultura brasileira como ativo estratégico.

Trata-se de reconhecer que acesso à cultura e inovação são direitos fundamentais, não mera mercadoria, para evitar que nos tornemos apenas consumidores passivos de produções estrangeiras.

O paradoxo das big techs

Achou esse cenário distante da realidade? Pois é, mas é exatamente isso que as big techs estão propondo: querem acesso irrestrito a obras protegidas por direitos autorais para treinar suas inteligências artificiais, sem pagar absolutamente nada por isso, nem pelos insumos criativos utilizados, nem pelos produtos finais gerados a partir deles.

Usam criações alheias para desenvolver tecnologias que depois competem com os próprios criadores originais, sem qualquer compensação. E, ainda assim, afirmam que, se forem obrigadas a pagar por esse uso, a economia “perderá bilhões”.

E ao mesmo tempo em que utilizam o conceito de fair use para justificar essa apropriação, certamente não aceitariam essa mesma lógica quando se trata de permitir que os criadores usem gratuitamente as ferramentas de produção digital.

Se as big techs querem justificar o uso de obras protegidas sem remuneração ou autorização prévia com base em fair use, então sejamos coerentes: que os criadores também tenham o direito de usar ferramentas essenciais de produção, flexibilizando a aplicação de patentes e licenças sobre software especialmente aqueles essenciais para produção artística e cultural, como editores de áudio e vídeo, aplicativos de pós-produção, bibliotecas de efeitos e até o próprio uso das IAs atualmente.

E se o argumento principal é o benefício econômico coletivo, uma simulação feita com dados do ChatGPT mostra que isentar o setor criativo do pagamento de licenças poderia economizar quase R$ 3 bilhões por ano, recursos que poderiam ser reinvestidos em inovação, formação profissional e fortalecimento da produção cultural local.

Pareceria uma troca mais justa, não?

Mas como é muito difícil de acontecer e fair use não existe no Brasil, é fundamental que o Pais avance na regulação da inteligência artificial, garantindo a preservação e a efetivação dos direitos autorais, direitos que são constitucionais e precisam ser respeitados também no contexto das novas tecnologias.

Estamos acompanhando de perto a tramitação do PL 2338/2023 na Câmara dos Deputados e aguardamos novas audiências que sejam mais plurais e verdadeiramente representativas de todos os setores da Economia Criativa.

Apenas com uma regulação justa e equilibrada será possível construir um futuro digital maduro e consistente, com inteligência artificial, inovação e desenvolvimento econômico.

Assim, o Brasil poderá finalmente deixar de ser apenas um espectador e ocupar o lugar que merece como protagonista na cultura digital global.

 —

*Bia Ambrogi é presidente da Apro+Som (Associação Brasileira de Produtoras de Som) e representante da Frente IA Responsável